Era Eduardo que acordava, mas sua mãe já havia acordado muito antes.
Eduardo ainda estava novo, pensava na faculdade, queria prestar todos os vestibulares possíveis, todos as grandes faculdades eram parte do seu sonho. Queria ser doutor, Doutor em Letras... talvez amasse ler.
Sua mãe acreditava no sonho dos filho. Trabalhou como copeira durante muitos anos em um grande hotel, saía sempre as cinco horas da manhã, voltava sempre as oito da noite, era depressivo trabalhar dessa forma. Foi difícil para ela colocar o filho nos trilhos, sem marido, sem família, somente ela, o filho, Deus e o mundo que a condenava por trabalhar tanto por aquele rapaz. Ter um filho Doutor em Letras era contrastante, ela não sabia ler, não havia estudado, porém estava nova, tinha 37 anos ainda, uma moça. Quando criança trabalhava para seus pais, eram boias-frias no Nordeste, dinheiro era algo que ela não conhecia bem. Aos 15 anos estava grávida, precisava criar seu filho e aquela situação não era o que ela queria para aquela pequena criança que ela gerava em seu ventre, ela que nunca pensara em abortá-lo, por mais que o pai dele nunca tivesse dado conta de que teria um filho. Eduardo não tinha nome do pai na certidão de nascimento, mas isso não era tristeza para ele. Já aquela mulher que estava vindo do Nordeste tentar a vida parecia que iria padecer, desistir. Como mãe, desistir não era uma palavra que ela conhecia. Quando conseguiu, encontrou um emprego, uma mulher, que viera da mesma cidade que ela, a contratou, seria babá e faxineira, enquanto a patroa estaria atendendo em seu consultório ou então dando aula na maior faculdade de medicina do Estado. Ela ficou trabalhando naquela casa por três anos, até encontrar o emprego de copeira, este mesmo que ela sai sempre as cinco da manhã e volta as oito da noite, e de qual ela folga uma vez por semana; para ela tal emprego era um descanso.
Ela criava Eduardo com todo o mimo possível para a realidade dela, em troca, o garoto deveria estudar. As notas de Eduardo sempre foram bem altas. Era um rapaz bonito, puxara a mãe, que era linda e forte, com belíssimos olhos azuis, que davam um belo contraste naquele corpo moreno por conta do sol. Além de estudar ele cuidava da casa; era recíproco, ele vivia para sua mãe, ela morreria por ele. Por vezes, limpava a casa, fazia o jantar e ainda escrevia durante madrugadas.
De tanto estudar, Eduardo conseguiu uma bolsa em uma escola, dessas que passam na TV o número de alunos que passaram nas grandiosas faculdades públicas no último ano; faculdades como aquela onde a primeira patroa de sua mãe trabalhava. Ele entrou pela porta da frente, mas lá deixou de ser Eduardo, tornou-se só mais um José, como tantos outros. Sentiu a diferença social, não entendeu por quê sua mãe trabalhava tanto sendo que a mãe de outros alunos tinha tempo para busca-los na escola. "Onde estava a justiça?", e sobre essa pergunta é que fazia suas reflexões; como pode muitos terem tão pouco enquanto poucos têm muito. Doeria para ele saber que a mãe de algum de seus "amiguinhos" era a dona do hotel em que sua mãe trabalhava, doeria ver que o "patrão" de sua mãe era um irresponsável e inconsequente e enquanto a mãe deste era dona de um hotel, o filho não passava de mais um alienado por algumas coisas que não fazem tão bem assim.
Chegou então, em um certo dia, uma certa hora da tarde...
A mãe de Eduardo chegara mais cedo em casa, reclamara de uma dor de cabeça daquelas que te proíbem de pensar, nem que seja somente para se copeira. Chegou ela em casa. As dores não paravam, ela desatou a chorar. Deu dezoito horas, o filho deveria chegar em casa por estes momentos, de fato, ele chegou. Era exatamente 18h07, olhou sobre a mesa, viu que a bolsa de sua mãe estava lá e se alegrou. "Talvez ela tenha sido promovida e esqueceu de me contar", começou a gritar por ela, mas ela não o respondeu, achou então que ela poderia ter saído, comprar algumas coisas para comemorar a promoção... assim ele esperava. Quando foi sentar-se para estudar, reparou então em um corpo estendido no chão, era sua mãe que havia desmaiado. Mediu-lhe então o pulso, nada batia.
Eduardo agora acordava enquanto sua mãe estava dormindo.